Mais do que “irmãos de Chitãozinho e Xororó”, a dupla Maurício & Mauri representa um estudo de caso fascinante sobre a evolução da música sertaneja.
Da escola rigorosa dos bailes e turnês dos anos 80 até a reinvenção digital pós-pandemia, mergulhamos na história, nos bastidores inéditos de Maurício & Mauri Zezé Di Camargo e na estratégia de modernização de uma das duplas mais tradicionais do Brasil.
1. A “Escola Lima”: O Rigor Técnico Antes da Fama
Ao analisar a fundação da dupla Maurício & Mauri, é impossível dissociá-la da estrutura familiar e profissional criada por seus irmãos mais velhos. No entanto, engana-se quem pensa que o parentesco garantiu um caminho fácil ou imediato ao estrelato. Pelo contrário, a relação com Chitãozinho e Xororó funcionou como uma verdadeira “escola” de profissionalismo, onde o mérito precisava ser provado na prática.
A entrevista recente da dupla revela que o suporte familiar foi fundamental, transcendendo a fraternidade para se tornar uma mentoria técnica e artística. Ambos tiveram que “estagiar” na pesada rotina de estrada antes de segurarem seus próprios microfones.
O Músico e o Produtor
Maurício, o mais velho da nova dupla, teve uma formação musical prática e intensa. Ele atuou como baixista oficial da banda de Chitãozinho e Xororó por dez anos. A entrada na banda não foi um favor, mas um desafio proposto pelo patriarca da família, Sr. Mário, que sugeriu: “Põe o Maurício para ensinar… acho que ele aprende”. Foi Xororó quem lhe ensinou as primeiras notas no contrabaixo, iniciando uma década de aprendizado sobre ritmo, harmonia e palco.
Já Mauri, o caçula, conheceu o show business pelo lado mais árduo: a produção técnica. Ele desempenhou funções vitais nos bastidores, desde afinar instrumentos e montar o palco até dirigir o caminhão de som em longas viagens. Mauri descreve essa fase como essencial para absorver o perfeccionismo e a organização que transformaram Chitãozinho e Xororó em ícones. Ele viu de perto como a “máquina” funcionava antes de ser uma das peças principais dela.
O “Empurrão” no Olympia
O momento de virada, digno de roteiro de cinema, ocorreu na lendária casa de shows Olympia. Durante uma apresentação dos irmãos famosos, Maurício teve a oportunidade de cantar “Majestade, o Sabiá”. Na plateia estava Paulo Rocco, diretor da gravadora Continental. O talento de Maurício, lapidado por anos de palco como instrumentista, chamou a atenção do executivo, que fez o convite para a gravação de um disco.
A reação de Chitãozinho ao saber da novidade selou o destino dos irmãos: “Vocês estão com a faca e o queijo na mão… Deus abençoe vocês, é por aí o caminho”. Ali nascia, oficialmente, a dupla.
2. O DNA Musical: Controle de Qualidade e Suporte Afetivo

A “Bênção” de Chitãozinho e Xororó não foi apenas verbal. Eles atuaram como diretores artísticos não oficiais, garantindo que o produto final tivesse a qualidade exigida pelo sobrenome Lima. Chitãozinho participou ativamente da produção do primeiro álbum (o famoso disco da capa alaranjada) e foi decisivo na escolha do repertório. Foi ele quem indicou a faixa “Amaremos”, de Barrerito, percebendo que a música encaixaria na voz dos irmãos mais novos.
Xororó, conhecido por seu perfeccionismo extremo, influenciou a ética de trabalho da dupla. Mas seu apoio também era material e profundamente afetivo. Mauri relembra com emoção que, quando foi tocar em sua primeira banda e não tinha instrumento, Xororó emprestou sua própria guitarra Telecaster. Mais do que isso, Xororó costurava roupas para a família com sobras de tecido, vestindo os irmãos quando os recursos eram escassos. Para Maurício e Mauri, os irmãos mais velhos assumiram figuras paternas: Chitão, o dinâmico e visionário; Xororó, o ponderado e correto.
3. O Mercado Sertanejo dos Anos 90: Uma Linha de Montagem Industrial
As histórias de Maurício e Mauri servem como um documento histórico de como operava a indústria fonográfica pré-digital. Se hoje o mercado se assemelha a uma startup — ágil, baseada em dados e testes rápidos nas redes sociais —, nos anos 90, ele era uma indústria pesada.
- O Poder das Gravadoras: O sucesso passava pelo crivo de executivos. A escolha da música de trabalho, muitas vezes, ignorava a vontade do artista. Maurício e Mauri preferiam trabalhar “Olhos nos Olhos”, mas a gravadora Continental impôs “Paixão ou Loucura” após uma audição interna. O resultado? Um acerto comercial que rendeu Disco de Ouro em seis meses.
- A Logística da Fama: O crescimento era medido pelo transporte. Começava-se viajando de carro, evoluía-se para uma Kombi e o auge era a compra do ônibus próprio (o da dupla, curiosamente, havia pertencido ao Ultraje a Rigor).
- Divulgação “Pé na Estrada”: Sem Instagram ou YouTube, a audiência era conquistada fisicamente. A dupla relata rotinas exaustivas de visitas a rádios, das 6h da manhã à meia-noite, e a dependência vital dos programas de auditório como “Sabadão Sertanejo” e “Clube do Bolinha” para validar o sucesso nacional.
4. Bastidores Inéditos: A “Quase” Dupla com Zezé Di Camargo
Um dos capítulos mais curiosos da história de Maurício e Mauri envolve outro gigante do sertanejo: Zezé Di Camargo. A relação entre eles é anterior à explosão de “É o Amor” e revela um cenário onde os ícones de hoje eram apenas jovens sonhadores dividindo marmitas.
Antes de formar dupla com Luciano, Zezé — impressionado com a afinação de Maurício, que na época tocava baixo — chegou a propor uma parceria. “Muita gente quer gravar comigo, mas eu gosto de cantar com você. Você topa fazer uma dupla?”, perguntou Zezé. Maurício recusou gentilmente, pois o projeto com seu irmão Mauri já estava em gestação. O destino, sabiamente, preservou duas das maiores duplas da história.
Mesmo sem a parceria de palco, a conexão musical foi profunda. Foi em um almoço simples no apartamento da compositora Fátima Leão, regado a arroz, feijão e pequi, que Zezé apresentou a canção “Olhos nos Olhos”. A música se tornaria um dos hinos de Maurício e Mauri, consolidando a amizade que resiste até hoje, repleta de histórias hilárias, como o dia em que levaram um “calote” juntos em um show em Santos.
Curiosidade: A Mudança para Campinas
A biografia da dupla também é marcada por desafios pessoais. A mudança da família de São Paulo para Campinas não foi motivada por luxo, mas por saúde. Mauri, aos oito anos, sofria de graves problemas pulmonares agravados pela poluição da capital. Para evitar uma cirurgia de alto risco no pulmão de uma criança, a família, com o apoio financeiro de Chitãozinho e Xororó, mudou-se para o interior em busca de “bons ares”. Anos depois, já fortalecido, Mauri realizou a cirurgia com sucesso, removendo 50% de um pulmão, mas ficando totalmente curado para seguir sua carreira.
5. A Retomada: Restaurando o Clássico para a Era Digital

Após a pausa forçada pela pandemia e as mudanças drásticas no consumo de música, Maurício e Mauri desenharam um plano estratégico de retorno que pode ser comparado à restauração de um carro clássico. Eles mantêm o chassi e o design que o público ama (as vozes, a história e o repertório), mas estão trocando o motor por um moderno.
Os Pilares da Nova Estratégia:
- Conteúdo Recorrente vs. Álbuns Fechados: Abandonando a ideia de gravar CDs caros e longos, a dupla foca agora em singles e conteúdo audiovisual constante.
- O Projeto Acústico: Em parceria com o produtor Enoque Rodolfo, eles estão regravando sucessos como “Xonado Eu” e “Paixão ou Loucura” com arranjos modernos. O objetivo é limpar a sonoridade datada dos sintetizadores dos anos 90, aproximando-se da estética “clean” de projetos como o “Buteco” de Gusttavo Lima.
- Música Inédita: O lançamento de “Ninguém vai te amar assim”, produzida por Ernani Ferreira, marca essa nova fase. É uma aposta no romantismo melódico (estilo “Sinônimos”), fugindo da agressividade do sertanejo universitário, mas mantendo a qualidade técnica.
Maurício e Mauri demonstram uma lucidez rara ao não tentarem competir com a geração de Henrique & Juliano ou Jorge & Mateus. Em vez disso, eles buscam coexistir, entendendo que os jovens astros de hoje cresceram ouvindo suas músicas. A estratégia é ocupar o espaço da tradição com a roupagem da modernidade, garantindo que o legado da família Lima continue ecoando nas playlists da nova geração.
“O que eu aprendi hoje… foi graças a eles que nos ensinaram.” — Mauri, sobre a influência eterna dos irmãos.






